Juliano Moreira, o médico negro que curou com ciência e compaixão
Juliano Moreira foi um menino negro e pobre da Bahia que entrou para a faculdade de medicina aos 14 anos. Sua tese de formatura ganhou repercussão internacional, por propor novas abordagens sobre a sífilis (uma das doenças que mais matava no final do século XIX).

Houve um tempo em que a ciência no Brasil andava de mãos dadas com o racismo.
Um tempo em que teorias pseudocientíficas tentavam provar que negros eram inferiores biologicamente, intelectualmente e até moralmente.
A medicina, nesse cenário, era frequentemente usada como ferramenta para reforçar desigualdades, legitimando práticas de exclusão e violência.
Foi nesse mundo que nasceu Juliano Moreira, em 1872, na Bahia. de Galdina Joaquina do Amaral, que trabalhava na residência do Barão de Itapuã, o médico e professor da Faculdade de medicina Luís Adriano Alves de Lima Gordilho. Foi criado pela mãe, e reconhecido posteriormente pelo pai, o português Manoel do Carmo Moreira Junior, um funcionário público que atuava com inspeção de iluminação. Fez os cursos preparatórios e ingressou em medicina em 1886.
Filho de uma mulher negra alforriada, cresceu num país onde o preconceito não havia acabado com a escravidão, apenas mudado de forma. Ainda assim, rompeu todas as barreiras. Aos 18 anos, já era médico formado pela tradicional Faculdade de Medicina da Bahia — um feito grandioso, especialmente para um jovem negro no final do século XIX.
Dotado de uma mente brilhante e de uma alma inconformada, Juliano galgou caminhos de estudo, ética e coragem. Ao assumir o comando do Hospício Nacional de Alienados, no Rio de Janeiro, o maior do país, não se calou diante do que viu: pessoas amarradas, dopadas, esquecidas. Condições desumanas que ele jamais aceitou como normais.
O médico que cuidava com alma
Juliano Moreira enfrentou a ciência e a sociedade que o rodeavam com algo mais forte que qualquer título: compaixão e firmeza. Ele foi um dos primeiros a afirmar que doenças mentais não eram causadas por raça, mas por condições sociais, traumas, saúde precária — ideias revolucionárias à sua época.

Aboliu camisas de força, retirou grades, abriu as janelas do hospício para a dignidade. Criou oficinas, propôs atividades com arte, leitura e música. Foi o pioneiro da psiquiatria humanizada no Brasil, num tempo em que o “louco” era apenas trancado e esquecido.
Contra o racismo travestido de ciência
Juliano não apenas curava. Ele escrevia, pesquisava, participava de congressos no Brasil e no exterior. Refutou, com argumentos científicos, a ideia de que negros eram biologicamente inferiores. Foi respeitado internacionalmente, mesmo num tempo em que a cor de sua pele era usada como motivo de desprezo por muitos em seu próprio país.
Ao lado de sua prática clínica, contribuiu para a criação da primeira Lei de Assistência aos Alienados e renovou a forma como se enxergava a saúde mental no Brasil. Um homem negro, médico, gestor público, educador e cientista em um tempo de muros — que ele ousou atravessar.

Legado de luz
Juliano Moreira faleceu em maio de 1933, em consequência da tuberculose, na cidade de Petrópolis. Juliano Moreira é o patrono da cadeira 57 da Academia Nacional de Medicina. Em 2001, a Congregação da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia aprovou a criação do Prêmio Juliano Moreira, que contempla, a cada semestre, o graduando em medicina que apresente as mais expressivas atividades de extensão ao longo do curso. Para preservar sua memória, foi criado o Memorial Juliano Moreira, como um setor do hospital psiquiátrico que leva seu nome em Salvador.
Doutor Juliano morreu com reconhecimento, mas seu nome ainda não está nas escolas como deveria estar, sua história não é mencionada e reconhecida como deveria ser. Seu legado é pouco citado, sua história pouco contada. Mas para aqueles que acreditam na cura pelo afeto, na ciência com ética, e na justiça como caminho, Juliano é farol.
E o Nossa Oeste o traz à tona porque reconhecer os que cuidaram da nossa história é também uma forma de continuar curando feridas.
A memória é também um ato de resistência. E Juliano Moreira resiste, em cada alma que ainda precisa ser vista com dignidade.
Fonte:Nossa Oeste