“DNA Escolar: Por Que Precisamos Deixar a Educação Binária Para Trás”
Senhoras e senhores, peço sua paciência. Sim, paciência. Não porque este texto seja longo ou difícil, mas porque ele exige aquilo que o mundo moderno tem desaprendido a fazer: pensar. E pensar, meus consagrados, não é binário. Nem quaternário. Pensar é um ato universal. Complexo. Multidimensional. Analógico, digital, quântico e, sobretudo, humano.
Vamos começar de onde ninguém costuma começar: nas máquinas de tecer.
No século XVIII, os teares de Jacquard transformaram a indústria. Cartões perfurados controlavam padrões nos tecidos. Onde havia furo, passava fio. Onde não havia, não passava. Nascia ali, discretamente, o pensamento binário aplicado à produção: sim ou não. Presença ou ausência. Zero ou um.

Avançamos para a Segunda Guerra. A lógica binária, agora em forma de algoritmos, se transforma em arma. Máquinas como a Enigma, a inteligência artificial da época, eram sistemas de acerto ou erro. Decifrar ou não decifrar. Vencer ou perder.
Com a chegada dos computadores, essa lógica vira estrutura do mundo. Tudo passa a ser zeros e uns. Texto, imagem, música, relações, afetos, trabalho, aprendizado. Tudo binarizado.

E é aqui que a educação se rende. As escolas, que deveriam ser templos da complexidade, passam a operar como sistemas de código. Certo ou errado. Passou ou reprovou. Aprovado ou excluído.
Com o advento do Business Intelligence (BI) educacional, isso se sofisticou. Agora, a escola virou dashboard. Painéis, gráficos, indicadores. O aluno não é mais sujeito. É dado. Nota virou metadado. Acerto virou KPI. Desempenho virou bit. Atingir metas virou obsessão. Para ilustrar a intensidade deste “Zeitgeist”, que em alemão significa “espírito do tempo”, diretores de escola pelo país todo estão sendo demitidos, afastados de seus cargos ou transferidos de suas atribuições por não cumprirem suas metas semestrais, e logo isso chegará aos professores que responderão pelo não desempenho de seus alunos.

Amigos leitores! Mas será que é só isso? Pois segure essa pergunta.
Do outro lado da linha, o aluno — agora criatura moldada pela lógica do algoritmo — opera na mesma chave. Like ou dislike. Segue ou não segue. Viraliza ou Cancela. A vida digital é um gigantesco sistema binário de validação e exclusão.
E aqui entra o colapso anunciado. John B. Calhoun, em seu experimento conhecido como “A Utopia dos Ratos”, criou um ambiente perfeito: comida, água, segurança, ausência de predadores. Resultado? Colapso. Os ratos, sem desafios reais, sem necessidade de construção, mergulharam no isolamento, na agressão, na apatia e, por fim, na extinção.
O que isso tem a ver com a escola? Tudo. Absolutamente tudo.
Quando a educação se resume a consumir conteúdos prontos, marcar “concluído” na plataforma, seguir roteiros, assistir vídeos e responder testes certos ou errados, ela deixa de ser espaço de construção e vira um simulacro propedêutico, vocacionado para atender as necessidades de um mercado também binário. Um teatro onde todos fingem que aprendem, enquanto os sistemas garantem que tudo parece estar funcionando.

No entanto, há um detalhe que poucos percebem. Enquanto a escola binária colapsa, a própria natureza nos mostra, há mais de 3 bilhões de anos, que a vida não é binária. É quaternária.
Sim! O DNA, o código da vida, opera com quatro bases: adenina, timina, citosina e guanina. Desses quatro elementos, combinados de forma quase infinita, surge toda a diversidade biológica do planeta. A vida é, por definição, um sistema complexo, analógico, adaptativo.
Mas… nem sequer aprendemos isso. Porque, enquanto o DNA nos oferece um modelo de construção baseado em múltiplas interações, seguimos operando no velho tear de Jacquard: zero ou um.
Quer uma prova? Pergunte a qualquer adolescente de hoje se ele sabe ler as horas em um relógio analógico. A maioria não sabe. E por que isso importa? Porque ler um relógio analógico é compreender uma lógica baseada em base 60, um sistema que exige abstração, proporção, relação entre variáveis — exatamente o oposto da lógica binária do digital.
O mesmo aluno que decora funções trigonométricas na apostila não é capaz de ler o tempo fora da tela. Porque a escola ensinou a resolver o exercício, não a entender o fenômeno.
Portanto, perguntamos: isso é evolução ou apenas uma versão mais sofisticada do colapso dos ratos?
Quando o progresso é medido por métricas binárias — certo/errado, aprovado/reprovado, viralizou/não viralizou — ele se torna, paradoxalmente, um avanço que gera mais frustração do que satisfação. Mais ansiedade do que aprendizado. Mais isolamento do que desenvolvimento.
O professor que resiste a isso não é analógico. Ele é, na verdade, pós-digital. É alguém que entende que a tela não pode substituir a conversa, que o vídeo não pode substituir a construção coletiva, que o dado não pode substituir o vínculo.
Se a educação quiser sobreviver ao seu próprio colapso, precisará aprender com a biologia o que a tecnologia esqueceu de ensinar: a vida não é binária. A vida é universal. Complexa. Rica. Multidimensional.
E a escola, se quiser ser viva, terá que abandonar a lógica dos ratos — e adotar, enfim, a lógica da vida.
Nos vemos na próxima.
Texto – João de Loyola.