Ataque em escola na zona leste de SP foi planejado por adolescente em Portugal, diz Promotoria lusa
No dia 23 de novembro de 2023, um adolescente de 16 anos entrou na escola onde estudava em Sapopemba, na zona leste de São Paulo, e atirou contra quatro colegas com um revólver calibre 38. Três ficaram feridos, e Giovanna Bezerra da Silva, 17, morreu na hora. O crime, conhecido como “massacre de Sapopemba”, foi orquestrado do outro lado do oceano, de acordo com uma investigação do Ministério Público português divulgada no início do mês.
A investigação comandada pela procuradora Felismina Carvalho Franco acusa de incitação ao crime um adolescente que hoje tem 18 anos e que usava nas redes sociais o codinome de Mikazz.
De acordo com o relatório, Mikazz chefiava uma organização digital batizada de The Kiss, onde jovens compartilhavam vídeos de apologia ao nazismo e pornografia infantil, além de transmitir ao vivo cenas de automutilação, tortura de animais e tiroteios em escolas. O massacre de Sapopemba foi exibido ao vivo para os integrantes do grupo pela plataforma digital Discord.
Na época, a empresa disse, em nota, que cooperava com as investigações e que toma medidas quando tem conhecimento de “conteúdo ou comportamento potencialmente prejudiciais”.
Mikazz, que morava na cidade de Santa Maria da Feira, na área metropolitana do Porto, foi preso preventivamente no ano passado -em Portugal um jovem pode responder pelos seus crimes a partir dos 16 anos, e não dos 18 como no Brasil.
Caso o júri considere procedente a acusação do Ministério Público português, Mikazz poderá pegar até 25 anos de cadeia por instigar vários crimes, incluindo o de Sapopemba e mais três outros massacres no Brasil, que só não se consumaram por intervenção da polícia.

Nessas outras três ocasiões, os adolescentes -de Minas Gerais, do Espírito Santo e uma outra jovem do bairro de Sapopemba, em São Paulo- estavam armados com facas. Uma análise do material digital revela que, para melhor se comunicar com adolescentes do outro lado do oceano, Mikazz passou a usar gírias como “bagulho”, “botar fé”, “suave” e “papo reto”.
De acordo com a acusação, o líder incitou os quatro massacres com o objetivo de obter maior notoriedade para seu grupo.
O relatório descreve uma organização altamente hierarquizada. Mikazz, acusado de ser o líder do The Kiss, ou TKS, ocupava o posto conhecido como “gotter” ou “fuhrer” -palavras que significam respectivamente deuses e líder em alemão. Os executores das ordens eram os “kills” e abaixo deles estavam os “súditos” e “inferiores”. Quem realizava atos de tortura de animais, massacres ou automutilação, transmitidos ao vivo, era promovido na hierarquia pelo fuhrer.
Ainda segundo a acusação, Mikazz ameaçava expor segredos e imagens constrangedoras de seguidores caso suas ordens não fossem obedecidas ou enviá-las aos pais dos adolescentes. Nas sessões de automutilação, os membros da organização desenhavam em seus corpos cicatrizes com suásticas, com o nome The Kiss ou com a abreviatura TKS.
A investigação acusa Mikazz de orientar minuciosamente o jovem que perpetrou o massacre de Sapopemba -o que incluía instruções para posicionar a câmera de forma a melhor mostrar o crime para o grupo.
De acordo com o texto, Mikazz “passou a ser o seu mentor, apoiou, incentivou e reforçou a vontade de praticar atos violentos contra aquelas pessoas, conduziu-o à materialização da ideia e à sua execução incentivando-o a proceder à divulgação de sua prática na comunidade”.
Em depoimento posterior à polícia, o adolescente brasileiro disse que “eles pediram para eu fazer o massacre, então eu fiz”. Por ser menor de idade, ele foi internado numa unidade da Fundação Casa.

“Estou no aguardo dos elementos de prova que suportam a acusação”, disse à Folha de S.Paulo Carlos Soares, advogado residente no Porto que é o responsável pela defesa de Mikazz.
“O Ministério Público tem a teoria dele, mas há a suspeita de que o líder da The Kiss seja um brasileiro. Além disso, para ser condenado por instigação ao crime, é preciso estabelecer a causalidade entre a instigação e o resultado”, afirma Soares.
A investigação do Ministério Público não encontrou em Mikazz sinais de transtorno mental que possam servir de atenuantes em relação aos crimes dos quais é acusado.
Fonte: Jornal de Brasília